sexta-feira, 9 de março de 2012

"O MITO JUVENAL ANTUNES" - POR FRANKLIN JORGE (DO NOVO JORNAL PARA O SITE: O SANTO OFÍCIO)

JUVENAL ANTUNES DE OLIVEIRA

POR O SANTO OFÍCIO | 23 MARÇO, 2011

Transcrito do NOVO JORNAL

Por Franklin Jorge

Fragmentos do livro “Abaixo do Equador” (inédito)

Domingo à tarde fomos passear no Segundo Distrito, o poeta Thiago de Mello e eu. Caminhando pelo Calçadão em meio ao povo alegre de Rio Branco, o autor de “Faz Escuro Mais eu Canto” não escondia a sua ternura pela cidade, exaltada pela beleza de suas mulheres a que se acrescenta a vocação hospitaleira dos acreanos.
No Bar da Gameleira, um encantador refúgio sobre o preguiçoso rio Acre, encontramos em libação com os amigos o jornalista José Chalub Leite, autor de um livro em preparo sobre personagens da cidade, entre as quais teria incluído segundo me informa o poeta norte-rio-grandense Juvenal Antunes, meu conterrâneo, autor de uns versos célebres de elogio à preguiça.
Defensor do direito à preguiça e do amor livre, Juvenal é uma figura ainda mal conhecida mesmo por aqueles que se jactam de estudiosos de sua vida e obra. Como parece ser o caso do próprio Chalub, que vai logo nos dizendo que Juvenal teria morrido porque faltara bebida no navio que o levava de volta ao Ceará-Mirim…
Essa informação sem nenhum fundamento na realidade lhe teria sido repassada por um tal de João Barrão, tipo popular de Rio Branco, que daí a pouco aportava no terraço da Gameleira e confirmava que a ouvira de terceiros. É assim que a História é deturpada e ganha novos e apimentados temperos.
Em Rio Branco, quase todo mundo tem uma história para contar sobre o endiabrado Juvenal, por quem Thiago de Mello, Armando Nogueira e Otto Lara Resende nutrem uma sincera e duradoura admiração. Os dois primeiros costumam recitar versos de Juvenal, passeando de ultraleve sobre o Rio de Janeiro, onde teria morrido Zefa, a amante negra do poeta cearamirimense.
A documentação existente em Rio Branco sobre o poeta é escassa. Constituída em sua maioria por depoimentos orais suscetíveis de contestação, os processos nos quais atuou continuam desconhecidos, apesar do esforço de pesquisadores como José Wilson Aguiar, que resgatou os versos humorísticos produzidos por Juvenal e publicados na imprensa local.
Surpreendeu-me deparar no imaginário acreano a presença de uma certa Laura cujo perfil diverge totalmente daquele que conhecemos de Laura Boaventura de Sá, a quem o poeta cantou em verso e prosa toda a sua vida. Pertencente a uma distinta família do Ceará-Mirim, Laura jamais arredou os pés de sua terra. Mesmo assim há quem jure em Rio Branco que ela viveu ali, no Beco do Mijo, exercendo a mais antiga profissão de que se tem noticias. Confundem-na com Zefa, “a pérola negra”…
Ora, Juvenal é o mito e, como todo mito, suporta há mais de cinqüenta anos após a sua morte a escória, os achaques, os acréscimos e o gosto da mitomania de que toda glória, literária ou não, se reveste. Sem dúvida, o mito se nutre de equívocos.
De indiscutível mesmo, há apenas isto: Juvenal Antunes viveu durante 25 anos no Acre, atuou como promotor de Justiça e advogado, participou da vida boemia e intelectual de Rio Branco, ajudou a fundar a Academia Acreana de Letras e, desde então, continua despertando interesse cinqüenta anos após a sua morte.

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A CARTA ABAIXO ESTÁ ENTRE OS MANUSCRITOS DEIXADOS POR MADALENA ANTUNES, EM PODER DA NETA - LÚCIA HELENA PEREIRA


“Querida Zefa,

Começo felicitando-a pelo valioso título de primeira cozinheira do Brasil. Se é verdade o que dizes, avalio como não passaria bem se estivesse eu por aí, caso ainda fosses dona de Hotel.
A tua carta muito me fez rir. Vejo que continuas a mesma criatura do Hotel Gely, de Natal, cheia de superstições e crendices próprias dos nossos matutos e sertanejos. Também continuas acreditando em cartomancia? Viste três mulheres que desejam casar comigo? Ora, são mais de trinta! Não vou nesse embrulho, permanecerei solteiro, com a testa limpa, chegando à casa pela madrugada, livre e venturoso, sem ter que suportar cenas de ciúme de esposas fingidas ou não.
Madalena (minha dileta irmã), já sabe que és mulher muito mais séria do que tantas que andam por aí e por aqui. Ela sempre simpatizou contigo...porque és mulher de fibra, boa e caridosa, que até já lhe sinto um certo cheiro de santidade. Se não morrer antes dela, trabalharei para canonizá-la!
Vou sadio de corpo e alma, apesar de cinquentão. É que o Diabo ainda não levou minh’alma.
Ah! Zefinha, deixa de tolices e trata de gozar o resto da tua vida, porque este mundo não passa de brincadeira onde os infelizes e os loucos são apenas os que querem ter juízo que, afinal, de nada serve.
Repito que não desejo casar-me. Não sou tolo como tu...
Não sei se algum dia voltarei por aí, não sou lá de muitos planos. Faço tudo de veneta. Ainda, agora, quando vim do Acre, resolvi a viagem em poucos minutos. Como é agradável (em alguns aspectos) ser sozinho no mundo!
Escreve-me logo. Podes até nem acreditar, mas a verdade é que te quero ainda um bem maior do que a muitas outras mulheres, exceto à minha LAURA, que não é mulher, é um anjo e só penso nela de joelhos. Creio que esta, sem te esquecer, é a maior fraqueza de que me acuso”.

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Nota: fotos do acervo de Lúcia Helena Pereira

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