segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

NILO PEREIRA FOI TÃO GRANDE QUE DEPOIS DA "MANHÃ DA CRIAÇÃO", NUNCA MAIS NINGUÉM DISSE NADA IGUAL SOBRE O VALE VERDE CEARAMIRINENSE.

NILO PEREIRA

“MANHÃ DA CRIAÇÃO
Nilo Pereira

A manhã fria e cinzenta restituiu-me o Ceará - Mirim, numa dessas horas bíblicas da criação do mundo. Do alto das torres da Igreja o vale aparece
numa visão de encantamento. A chuva que cai não impede aos olhos do
menino que volta a si mesmo, ver ao longe os velhos engenhos, que ali estão, como um testemunho permanente dos privilégios da terra. Tudo aquilo é de ma beleza poética. Deus há de ter demorado Sua Mão universal sobre o vale, onde é possível que reconheça, ainda hoje, vestígios do paraíso perdido.
O verde intenso e opulento está, naquela manhã da criação, tocado de um cinzento misterioso, através do qual, como que se esconde um mundo de recordações. Um vasto silêncio se espraia sobre a cidade; e como é domingo,as chaminés deixam de espargir sobre o vale a sua fumaça espessa, que tantas vezes levou para os espaços os sonhos de tantos homens que ali viveram e trabalharam. O vale parece dormir; mas é tão forte o seu colorido que a vida, mesmo adormecida, é cada vez mais bela e mais exuberante. O cinzento da manhã, tocado de tonalidades líricas, não supera o verde magnífico do canavial que, apesar da chuva insistente, ondula levemente, como se fosse tangido por um gênio da Poesia. O cenário é prodigioso. Bem aos pés da velha Igreja e do alto de suas torres nobres, uma cidade parou no tempo; mas ao longe esplende o vale, como que mostrando ao homem os paradoxos da natureza. Saúdo a cidade parada, que é um sonho de grandeza vivida; e pergunto por que, havendo a riqueza tão ao alcance das mãos, tão perto de uma velha cidade, se mantém estacionária e quase morta. Não procuro explicar o fato: aquela hora era antes de tudo, de recolhimento; e eu medito no
destino das coisas. Sou apenas um homem restituído ao seu passado,
à sua terra de infância. O que tenho diante de mim é o cenário
mágico de quem nunca desprezou as sugestões de sua Massangana; e,
por isso, fixo os meus olhos na casa-grande do engenho Guaporé,
que está escravizada na moldura verde-cinza daquela manhã do Gênesis.


(...) Já não vale insistir na grandeza daquela velha casa, onde Vicente
Ignácio Pereira lutou para que a civilização da cana-de-açúcar fosse uma “constante” do progresso econômico e o mais poderoso fator da aristocracia rural. É o que resta de uma vida brilhante, que se apagou num enigma impenetrável. Seu destino foi esse. As mãos invisíveis o sustentarão pelo tempo afora. Sua decadência parece uma ressurreição; sua morte traz a vida”

Do livro Imagens de Ceará-Mirim - 1969 - NILO PEREIRA.

Nota: Nilo Pereira encantou-se em 23-01-1992, há vinte anos!

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