quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

EM HOMENAGEM À MEMÓRIA DA MINHA GRANDE AMIGA IONE BASTOS MESQUITA, ANIVERSARIANTE DO DIA 06 DE JANEIRO!

IONE BASTOS MESQUITA - ONINHA

Transcrevo, com emoção e amor, a carta que fiz para Carlos Júnior, em 2004, o primogênito de Ione Bastos Mesquita e dr. Carlos Mesquita (*). Publico-a hoje, após o dia do encantamento e sepultamento do meu mestre Enélio Petrovich.

Natal, 14 -10-2004


“Oh! Luluca, se eu tivesse o dom de escrever sofreria bem menos, porque falaria em versos!..”


Carlos Junior,

Ao longo de muitos anos, quando Oninha me telefonava, havia um leve toque de poesia no seu falar. E os seus desabafos eram constantes, pelo menos a cada mês, quando vinha à minha casa ou por telefone (e vice-versa).
Tivemos um relacionamento de muita compreensão, confiança e intimidade. Não havia mistério, segredo, conflito, angústia ou qualquer outro sentimento que não fosse partilhado. Do último ano para cá falávamos mais por telefone. Ouço, como se fosse neste exato momento, o telefone tocar e ela dizer: “Oh! Luluca, você vive tão ocupada ou fora de casa, do jeito que vai terei que agendar uma horinha para lhe ver. Isso é de quem é importante, e você é essa pessoa linda e muito importante”. Ela dizia isso (parecia, na sua voz, uma construção poética) e dava uma boa gargalhada. Não havia cobrança, reclamação ou coisas no gênero. A nossa amizade era sólida, resistente às intempéries.
No ano passado fui buscá-la para darmos uns passeios e lancharmos em algum lugar. Começamos a conversar, colocar os assuntos em dia e quando vimos o tempo havia passado. Ela enchia a boca de ar para dizer: “Isso é que é uma bosta, terminamos ficando mesmo em casa. Ora, mas foi tão bom esse tempinho juntas!” Nessa tarde rimos muito como se as nossas vidas fossem fáceis e bem resolvidas. Afinal, precisávamos escapar dos “fantasmas” rondando o nosso acampamento, das solidões, carências e outros sentires!
Conheci, Oninha, nos idos de 1967, na Maternidade (MEJC). Jamais esquecerei a cena hilária que passo a recordar: Dr. Mesquita vinha no corredor quando pedi-lhe um cigarro – havia deixado o meu no outro andar - (estava começando o terrível vício) e ele disse: “pegue no bolso do meu jaleco, minhas mãos estão molhadas”. Foi quando Ione apareceu e, arrebitando aquele nariz falou em voz alta e bom som: “Quem é essa cabrita? Olha aqui, menina, esse homem é meu marido e pai dos meus filhos”. Dr. Mesquita ficou vermelho e respondeu um tanto constrangido (com aquela voz rouca, inconfundível - Deus, quanto amei Dr. Mesquita, a única pessoa que pude comparar à bondade do meu pai!!!): “Acabe com isso Ione, essa moça é muito direita, é irmã de Gipse e trabalha aqui”. Eu fechei a cara e saí um tanto surpresa e magoada. Ela alcançou-me e desculpou-se. E nossa amizade perdurou por 37 anos.
Sempre lhe telefonava bem antes do dia 6 de janeiro (seu aniversário e dia de Reis) e ela dizia: “apareça lá pela Souza Pinto, não é festa, só um reencontro, etc...” E nunca compareceu às comemorações dos meus aniversários e nunca reclamei, gosto de respeitar o temperamento alheio. Dias depois aparecia com um presente. Tínhamos as afinidades maiores da solidariedade, da confiança mútua e do coração. Os bens mais preciosos numa amizade verdadeira.
Sempre me dizia: “Se eu for antes de você, sei que não irá ao meu...(excluo a palavra sórdida que significa ficar a sete palmos do chão) eu lhe conheço e sei que vai sofrer e se lembrar dessa neguinha”. Ela estava certa, no dia do seu “encantamento”, lá estava Ivanise (tão meiga e carinhosa comigo) deixando-me alguns minutinhos com a minha amiga (não cheguei a olhar... quero sempre lembrá-la como a mais perfeita imagem da bondade, honestidade e franqueza. Lembrar suas qualidades maravilhosas e os defeitos que sabíamos administrar. Passei uma meia hora, talvez mais, sentindo um aperto na garganta e os meus gritos mudos loucos para serem extrapolados do peito. Voltei para casa, precisava ficar só. Perto das quatro horas da madrugada, ainda sem dormir, já havia perdido, completamente, a voz. Tive edema na garganta pelo choque emocional. Passei dias em repouso. E, justamente, na noite após a missa de sétimo dia (não dou importância às exéquias, não as quero nem para mim, com muito esforço irei às minhas, se meus filhos quiserem, caso contrário, que haja logo o embarque...-), rouquíssima, com dificuldade para falar, liguei para sua casa Carlinhos e Paula Eu tentava falar (rouquíssima) da minha dor... Depois telefonei para Iara mal conseguindo falar, ela o fez por mim, transmitindo-me o amor e a saudade da boa irmã, reafirmando a certeza do bem querer de Ione por mim! Iara sabia da nossa amizade sincera, assim como Ivanise.
Carlinhos, fui desde que iniciei esta, não consigo dizer o que sinto. Eu e Oninha éramos tão abertas uma com a outra. Nós nos amávamos como almas gêmeas. Um amor espiritual, humano, cheio de doação, compartilhado nas poucas e raras alegrias, repartido nas tristezas e angústias.
Ione Bastos Mesquita,ou,simplesmente: Oninha, minha neguinha!
“Luluca sabe o que eu queria fazer hoje? dar um passeio para bem longe, olhar os jardins que existem por esse mundo afora, contemplar os rios, ver os pássaros voando”! Ela realizou essa viagem com olhos de ver e sentir, embora comentando, ao retornar: “Tudo muito lindo, o progresso enorme..mas, como o nosso Brasil não tem igual!”
Quando conheceu o meu neto teve essa bela expansão da alma: “Isso é que é um menino bonito”! Ele só tinha três aninhos, e ela lhe disse: “Sabia que sou uma grande amiga da sua avó gorducha? Dê muito amor a ela, isso é o que vai sustentando a gente! Sem o resto a gente ainda passa...”
Um dia avisei-lhe que faria várias homenagens, inclusive para ela, no TAM (Teatro) e ela logo se irritou: “Pode tirar o meu nome, guarde-o no seu coração, nem invente que eu não piso lá e ainda vou ficar zangada”...Essa era a minha Oninha, simples, sincera e humilde. Mas eu lhe fiz a homenagem. Como excluí-la do elenco de pessoas merecedoras?
Escrevo-lhe chorando. Penso em Oninha, no seu grande amor por Dr. Mesquita, no carinho e amor pelos filhos: Carlinhos, Ana osa e Cláudio (“o melhor que restou”-palavras que repetia sempre). Depois foram chegando os netos e ela dava uma risada dizendo: “Os netos vão nos mostrando novas alegrias, continuando nossas vidas e indicando os caminhos da nossa velhice...”
Ione teve grandes gestos (gestos de sua bela humanidade), não importando quanto lhe custasse “salvar” alguém enquanto se afogava num mar de preocupações, num oceano de angústias ou, mesmo num pequeno lago de inquietações. Era o que se podia dizer: perdia sangue, suor e lágrimas se fosse preciso minimizar a dor alheia! Ou como diria Rui Barbosa: “Não veja sua mão direita o que a esquerda faz...”
Amava as criaturas, afinal, para amar ela foi feita, sem jamais dizer das suas carências, salvo em meu ombro amigo, onde fazia as suas mais íntimas confissões e derramava as suas lágrimas.
Antes de se submeter à primeira cirurgia, ela me deu um longo telefonema: “Sabe, Luluca, nesses dias vou acabar exposta à venda como sucata, como ferro velho e duvido que tenha quem dê um centavo sequer por qualquer peça desse carro velho”...e sorria, sorria com aquela espontaneidade costumeira. Para ela, creio, o riso era uma grande força! E disse mais: “Ah! Ah! Ah! Do jeito que ando com as válvulas entupidas, duvido que o carro velho volte a andar. Se eu sair dessa quero dar um passeio com você, a gente vai para a praia, arranja um tocador de violão e faz a festa. Estou precisando disso, de uma noite de lua e você fazendo um poema para mim...” Dias depois fui participar, em Fortaleza/Ce, do Encontro Norte e Nordeste de Autores Brasileiros. Ao retornar, no dia 26, como uma nuvem que se esgarça, num céu de ouro estelar, a minha Oninha foi se encontrar com os anjos. Ela saiu em busca dos seus rios e mares, de uma caminha macia feita de algodão e pétalas de rosas. As rosas do roseiral florido da sua alma luminosa, onde um lírio recebeu-a para enfeitar a redoma de luz da sua alma, no reencontro eterno de um amor que jamais se acabou.
Afirmo isso com a convicção de quem conhecia Ione Bastos Mesquita, relembrando a sua dedicação à época em que acompanhou Dr. Mesquita a São Paulo (transplante de rins) e escrevia-me. Numa das cartas transcrevo um trechinho que diz da sua poesia amorosa, da sua inteira consciência diante do “quadro grave” do seu amado esposo: “Aqui tudo é tão sombrio! Sinto falta do nosso sol ( até do calor insuportável), da nossa terrinha querida. Ah! Luluca, Mesquita está muito doente e já não estou encontrando forças para lutar. No entanto, devo lutar e demonstrar força. É Mesquita que eu. Amo hoje com a mesma intensidade de ontem! Quanto aos erros e defeitos...que atire a primeira pedra quem já não os tiver cometido!” E Mesquita é um homem de bem, eis o que vale”!
Assim que tomei conhecimento do “passamento” de Carmen Reis Maffioletti (nossa ex-companheira de repartição), dei-me um tempinho para não aumentar a minha adrenalina e liguei para Oninha que comentou: “Coitada, sofreu tanto, agora descansou, está em paz. Mas não vou à nada, não ando lá muito bem”. Depois, resolvemos ir à missa de primeiro mês na Capela do Colégio Marista. Choramos tanto que algumas pessoas davam-nos os pêsames. Ao sairmos levei-a ao Douce France. Ao ler o cardápio ela disse: “ Eu sei lá o que é “basquaise”, você faz o pedido porque não conheço nada daqui” e já ia se irritar quando lhe disse: nem pense, pode ficar caladinha que hoje quem manda sou eu. E ela abriu aquele sorriso costumeiro. Pedi para Betuca (nesse tempo havia o fundo musical) colocar um CD só de músicas francesas (musicadas em gaitas). Santo Deus, quanto emocionou-se, as lágrimas chegaram a dançar dentro dos seus olhos! Ficamos conversando um bom tempo, a noite estava fresca, ela deu uma olhada no corredor das vitrines, achou tudo tão lindo e disse: “É, isso aqui parece mesmo uma vila colonial”. Na sua elegância costumeira, Alberto, o dono, como sempre faz com os “estreantes” mandou o maitre servir-lhe uma fatia de tartan com chantili. Ela deu uma boa risada e disse: “Se fui pobre nem me lembro, o negócio é andar com gente importante, não quero nem saber, vou comer tudo isso que é bom demais...”
Ione tinha uma personalidade ímpar, imbatível. Ao mesmo tempo preservava alguns arroubos infantis maravilhosos. Um dia fomos ao Natal Shopping (fui buscá-la porque ela morava perto do estabelecimento). Andamos pelas lojas, boutiques, fizemos um lanche e jogamos na mega-sena. Já no final da tarde observei que ela havia calçado sapatos diferentes e quando lhe alertei começamos a rir de tal forma que mal podíamos nos conter. Fomos para a praça da alimentação. Ela tirou um lenço para enxugar os olhos quando um senhor deu uma piscadela para ela. Santo Deus, a situação piorou e nossas gargalhadas explodiram. Ela chegou ao ponto de colocar a cabeça sobre a mesa para disfarçar, não houve solução, de repente ela disse: “Lu-lu-ca, eu me urinei, quac, quac, quac, se o pobre homem soubesse que ando mais pra lá do que pra cá...”
De outra feita convidei-a para assistir “Uma Carta de Amor”, no mesmo shopping e avisei-lhe de que veria um homem lindo: o ator do filme - Kevin Costner. Por telefone ela disse: “Estou mesmo precisando sair.” No meio do filme ela falou: “Você tem razão, Luluca, esse homem é bonito demais e o filme é ótimo”. Não falou alto, mas, atrás havia um casal e o homem fez: “psiu e acrescentou: “ se quiserem conversar vão saindo”. Pronto, ela danou-se e arrebitou “as ventas” dizendo: “Luluca, tem um queijo do reino por aqui?” Olhei para trás e vi a cabeça redonda, brilhosa e careca do homem. Não deu outra e tivemos um verdadeiro ataque de riso. O casal trocou de lugar e nós tivemos que nos controlar. Ela adorou o filme e apaixonou-se, como eu, pelo belíssimo Kevin Costner.
. Uma mulher admirável! Se eu fosse falar mais sobre Oninha teria que escrever um livro, são tantos episódios, tantas coisas boas, venturosas, outras bem adversas. Afinal, a vida é essa eterna dualidade: a alegria e a tristeza. E os sonhos que sonhamos ao longo dos anos, de alguma forma tornam-se a nossa mais íntima realidade.
Quanto à minha Oninha, ela estará sempre em meu coração, até que nos encontremos em outras dimensões.
Com as lágrimas molhadas na poesia do meu amor, dedico à Oninha - in memorian - esses momentos de contemplações e diletas lembranças, através do seu primogênito - Carlinhos.


Lúcia Helena (Luluca)

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