segunda-feira, 26 de setembro de 2011

JEANE ARAÚJO - POETISA DE ACARI QUE AMA O VALE VERDE CEARAMIRINENSE MANDA-ME O SEU "CANTARES.

JEANE ARAÚJO
CANTARES
I

Porque aqui dentro tudo me cabe
espalho lótus pelos corredores.
Do outro lado da mesa
meu coração amadurece espinhos
e já não sou essa que sou,
meu coração está plantando farpas.
O que antes era cortina e aconchego
caiu terrivelmente sobre mim
(sentimento que conheço de antemão).
Antecipo ciúmes e indagações.
A alma lateja, reveste-se de prece,
o coração emudece nos corredores da boca.
II
Aprendo encantamento
com tuas poucas palavras.
Noites? São muitas
mas tu estendes a vigília no vazio das horas mortas
até configurar-se no amor que me dás
e que não vejo.
Armadilha de pequenos sóis
envoltos em papéis de seda.
Deus está no perigo,
na hipótese da seta lançada.
Jamais sairia ilesa
deste teu escuro.
III
O anjo que me guarda
acordou cruel demais.
Postou filete de sangue na porta
parte de sua própria carnadura
e me trancou toda por dentro.
Saiu às ruas, em claro testemunho
e escreveu latente no portão: aqui jaz.
Despiu-se da pele de anjo
cortou suas longas asas
e foi morar entre pernas
onde todo perfume é doce.
IV
Perco folhas expondo ternura.
Pinto cavernas em transe absoluto.
Me percorri extrema e cuidadosa
para vir do fundo, esquiva e retalhada.
Há mistério de nudez sagrada
na estátua branca de ventre exposto.
Desvendei a secreta passagem
do teu lado esquerdo.
Canto um hino sacro
em volta do oratório herdado.
Queimo minha língua imerecida
no incenso do teu corpo.
Em amor, me refazendo.
V
Acredito em tardes e ruínas
e imperfeições não me salvam.
O outro me olha desconfiado
e o que sou eu escurece
enquanto enfia o pé na meia.
Não há palavras para serem ditas
nem silêncios para serem suportados.
As escamas do teu olho
são minha única certeza.
Se partes, eu fico
situada entre artifícios
e asperezas.
VI
Sobrevivo às palavras duras
e reinvento o resto da paisagem.
O tempo não é de resguardos,
ele exige impetuosidades
e delicadas insinuações.
As mulheres que fui
fundiram-se nos quatro cantos
do teu abraço.
Sou preguiçosa demais para ser vasta.
Não arrebento margens em vão.
VII
Por mais que eu te diga concha, água, âncora
não me escutas.
Desmanchada pelos vendavais
contemplo minha herança em sobressalto
e retraio-me ante tanta escuridão.
Depois, há o tempo
refazendo os caminhos
com meus próprios medos.
Cansa-me o gesto repetido
tua canção antiga
e a solidão alheia.
Sou minha própria inquisição.
VIII
Quem, senão eu me refazendo extensa
com dentes e pasto e mordeduras,
sorvendo as horas que não passam,
aprendendo demoras?
Desfio pequenos rosários
e não encontro o mais fundo de ti.
Então escrevo, procuro em vão
minha cálida matéria.
Que eu te leve torto,
suspenso, sem qualquer asa
porque a mim importa
a peçonha aveludada,
a dor mais funda
quando me percorres.
IX
Não te reconheço.
Nem mesmo entendo teus dons,
tuas noites queimantes,
tuas horas flamejantes
de seculares desejos.
O que é o amor
esse menino que me seca todos os dias?
O que eu busco escondido
nuns olhos claros de água salobra?
Tenho as narinas e as veias estufadas.
Meu verso não suportaria
o peso da palavra não
na tua boca.
X
No canto do mundo
há um doce estranhamento.
Minha pouca vestimenta
é uma grande ameaça
para quem não fala
minha estranha língua.
Quem ousa entrar
na casa dos meus ontens
sem nojo do meu grito?
Estou à beira de uma palavra
e nada salva
esta última chama acesa.

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